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João Baptista Pereira

Em 4 de Junho de 1942 um navio da US Merchant Marine, Velma Lykes, navegava no estreito do Yucatán, fazendo a rota de Houston para o Panamá, quando avistou um submarino alemão. Não houve tempo de reação, o navio foi atingido em cheio por um torpedo e afundou em menos de um minuto, sem possibilidade de lançar os equipamentos salva-vidas. Havia três engineers na casa das máquinas, que tiveram morte imediata na sequência do impacto do torpedo. Um deles era o beijosense João Baptista Pereira, de 54 anos, 25 de mar e 20 de cidadania americana.

Vista parcial do relatório de perda do navio, onde se percebe que os três mortos pelo do impacto do torpedo eram os que estavam em engineering watch

João nasceu em Beijós em 21-12-1887, faz hoje 136 anos. Primogénito de Adelino Augusto Pereira Montenegro, de Canas, e de Clara da Alegria Coelho e Moura, sendo neto materno de Diogo Coelho de Moura. A família emigrou para o RJ em 1893, estabelecendo-se em Cantagalo, mas regressou a Portugal cerca de 1900. Adelino montou um negócio nas Caldas da Felgueira, mas não terá corrido bem, sentindo a necessidade de emigrar de novo. Em 1906 voltou para o Rio, mas desta vez levou apenas o João, com a promessa de que toda a família se reuniria de novo no Brasil quando as circunstâncias o permitissem. Até lá, os outros rapazes deveriam aplicar-se nos estudos, de modo a conseguirem um bom emprego quando chegassem ao Rio... pelo menos tão bom como o que João e Adelino tinham no escritório da Companhia Ferro-Carril do Jardim Botânico. No entanto, Clara e as meninas, Cremilde e Adelina, só se instalaram definitivamente no Rio em 1919.

Adelino (1862-1933) (sentado) com os filhos, da esq para dir, José Maria de Moura Pereira Montenegro (1890-1978), António Augusto Pereira (1894-?), João Baptista Pereira (1887-1942) e Diogo Augusto Pereira (1899-1951)


Nessa altura, João já se radicara nos EUA e desde cedo mostrou a vontade de se tornar cidadão americano, o que conseguiu em Março de 1922. Existe um registo de entrada no porto de Boston em 1918. Em 1920 fez-se fotografar em New York para mandar o retrato ao José Maria. Conta-se na família que o primeiro emprego que teve na que era então a maior cidade do mundo foi ferrador, mas cedo percebeu que o seu 'destino' era o de marinheiro. Depois de um tempo baseado em New York, foi descendo para climas mais quentes. Era marinheiro em New Orleans quando, em 1931, o primeiro-tenente Ernest Eugene Sykes Jr., que casara dois anos antes em Liverpool, lhe apresentou a cunhada Agnes Jane Hill, que tinha vindo visitar a irmã à América. Passado pouco tempo, João e Agnes casavam na Basílica de St.º Estêvão.

Após o casamento, o casal decidiu apresentar-se às respetivas famílias. Estiveram uma temporada no Rio, onde nasceu o primeiro filho, João de Alegria Pereira, em Fevereiro de 1934. Com passagem por N.O., ficaram depois um tempo em Liverpool, onde nasceu a segunda filha, Agnes Jane (AJ) Pereira, em Maio de 1935. Mãe e filha acabariam por viajar sós para os Estados Unidos para se juntarem a João, porque o bebé João morreria antes da viagem. Quando os EUA entraram na Segunda Guerra, a família morava em Houston, que viria a ser a última base do marinheiro João. Lá nasceram Rafael Montenegro Pereira (1939-2023) e a caçula Sheila Cremilda Pereira, que tinha menos de um ano quando o pai foi morto pelo torpedo.

O plano de João para o pós-guerra era continuar o movimento para oeste e fixar-se com a família em San Pedro, cidade portuária próxima de Los Angeles onde na altura havia uma numerosa comunidade portuguesa. O U-158 não lho permitiu. AJ ainda mora em Houston, tendo sido vizinha do Rafael durante grande parte da sua vida. Ambos fizeram questão de conhecer a terra natal do pai, tendo visitado Beijós há cerca de 40 anos. Monte, como ela lhe chama, quis ser marinheiro como o pai e quis que quando morresse lançassem as suas cinzas sobre o local onde o Velma Lykes afundou, o que aconteceu em Junho passado. Sheila mudou-se para Saint Petersburg, na Baía de Tampa, onde a mãe viria a falecer em 1999, com 98 anos. As suas cinzas encontram-se no cemitério de veteranos local, onde foi colocado um memorial do casal. O nome de João também está gravado no Harris County War Memorial Monument, homenageando os residentes no condado que "perderam a vida lutando pela pátria".

Campa de João e Agnes no Bay Pines National Cemetery

P.S. I’m deeply thankful to AJ Caldwell (born Pereira) for all the family stories she told me, helping me to build the puzzle of the life of this Beijós-born American hero. Until some weeks ago, I was not at all expecting to exchange messages with any of João’s children (who are my 2nd cousins twice removed), but it was made possible when I found an email address from AJ’s grand-daughter Leah in a theses’ repository. Leah replied my email within half an hour (!), sending the family photo posted above and inviting AJ to join the conversation. Thank you both!



Comentários

  1. Excelente trabalho 👏👏👏
    Obrigado 🙏🍀

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  2. De Beijós para o Mundo...
    Por onde andaram os beijosenses?
    Será que chegaram a todos os cantos do mundo?
    Eu vivi longe de "casa" algumas vezes:
    - 8 anos a 6.308 km (Mungo - Angola) até 1975;
    - 1 ano (Amora) 1975/1976;
    - 1,5 anos a 196 km (Vila Franca de Xira) 1984;
    - 4,5 meses a 1.556 km (Açores) em 1986;
    - 4 anos (por aí, mais mar que terra);
    - 4,5 meses a 1.499 km (Luxemburgo) em 1989;
    - +- 1 ano a 155 km (Santarém) 1990;
    - 3 anos a 228 km (Lisboa);
    - 1 ano a 125 km (Torres Novas) 1993;
    - 5 anos (Lisboa/Paço de Arcos);
    - 4 anos (S. João do Estoril) até 2004;
    - 19 anos (Carcavelos)...
    Nota: vários outros sítios por períodos inferiores a 3 meses.
    Respect para quem andou com a "valise de carton".

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  3. O irmão Diogo também morreu no mar, mas em circunstâncias diferentes. No outono de 1951 veio de férias a Portugal, juntamente com o José Maria, mulher e filho deste. Na viagem de regresso sofreu um ataque cardíaco e faleceu em 19 de Novembro, uma semana antes de o navio chegar ao Rio, onde foi a sepultar no mesmo dia, no cemitério do Caju.

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  4. Como sempre Excelente trabalho de pesquisa e divulgação da informação.

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  5. Interessante a saga da família Pereira. Excelente trabalho de pesquisa. Parabéns!

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Nasceu em Beijós faz hoje 215 anos, no mesmo dia em que a mãe faleceu. Aos três anos perdeu também o pai, ficando ao cuidado da madrasta, eventualmente com ajuda das tias maternas. Teve formação nas letras, como se depreende pela bela caligrafia que apresentava por volta dos 14 anos. Alistou-se no Regimento de Milícias de Tondela, donde passou para o "exército do usurpador" (D. Miguel), incorporando as forças liberais em 1833. Terá saído do exército um ou dois anos depois, fixando-se em Beijós. É já casado com Maria José da Alegria, nascida em Midões, mas baptizada em Cabanas, que assume protagonismo no envolvimento de Beijós no chamado Cisma , o qual deve ser entendido no quadro da oposição popular do mundo rural ao novo regime liberal. Efetivamente, em Beijós e arredores, há vários pontos de contacto entre estas 'lutas eclesiásticas' e os inúmeros episódios de violência e terror envolvendo partidários do cartismo e do miguelismo. A figura acima mostra as relaçõe

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